Diário de Bordo: Orion — primeira viagem ao Rio Grande (1944)

 

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O cutter Orion I, de Egon Barth, no verão de 1944, empreendeu a sua primeira viagem a cidade de Rio Grande, em companhia do Miraguaya sob o comando de Rodolfo H. T. Moeller. Esta viagem foi relatada em um Diário de Bordo, doado ao Memorial do Veleiros do Sul.

 

Tripulação do Orion:

Manoel Baltazar

Egon Barth

Carlos Profé

Hans Melchers

Rolf Bercht


Para nós, o dia começou à tarde quando nos achávamos a bordo do grandioso Orion, um dos colossais veleiros da capital do estado do Rio Grande do Sul.

 

O primeiro elemento de bordo a se salientar foi ilustríssimo senhor guri de bordo, mais conhecido como Faxineiro, titio Carlos Profé, assim chamado pelo futuro seu colega Faxineiro de segunda classe ilustríssimo senhor Hans Melchers. O numero 1 é o tal homem do toldo, assim por mim denominado, pois gostava de armar o toldo no barco. Quando a canoa parava, dizia ele: “Vamos armar o toldo?”

Falando a respeito da forragem posso dizer que não levamos pouco a bordo. Tudo o que se levou a bordo desapareceu nos porões e se fez desaparecer para que não desaparecesse, antes do tempo, no estomago de alguns dos tripulantes. Quando tudo estava ajeitado e arrumado no seu respectivo lugar, surge “um grande problema” que é o X em quase todas as viajadas, pois já era hora... Quem vai se encarregar da bóia e o que vamos comer com tantos elementos e com tantos gêneros alimentícios a bordo.

OrionI-CanaldaFeitoria-1943-2

Eis ai que surge novamente ilustríssimo relevante Faxineiro, por tanto número 1, sugerindo devorarmos, pois estávamos com muita fome, umas batatas cozidas com salsicha e chucrute enlatados. E um grande amigo de fato esse tal de Sr. Profé, foi ele quem preparou a ceia. Verdade é que a bóia estava bem preparada, pois todos se encheram quase ate o gargalo. A bebida que tomamos durante a bóia era sem dúvida uma espécie de pão liquido da já conhecida e comprovada marca Continental. Após a cumeeira, revela-se também o Faxineiro de segunda classe que com muita vontade lavou os pratos e as panelas junto com o guri de bordo (cá pra nós, rapaz todo especial, pois já era casado). Quero só ver se esta vontade continua assim até o ultimo dia da viajada.

Depois dos amáveis da tripulação por terem deixado tudo limpo fomos fazer uma visita ao Pinguim onde encontramos já o pessoal do companheiro de viagem “Miraguaia”. Nesta ocasião foi nos oferecido um peru e cerveja à vontade. Não há dúvida, levamos boa impressão. As discussões sobre este novo barco, que ainda apresentava um aspecto de muito a desejar quanto a comodidade interna, pois não estava ainda terminado, foram as mais diversas. É triste, mas sempre há um ou outro que não pode deixar de dar diversos palpites errados.

OrionIemRioGrande-1945-2

 

Quando chegou a hora das crianças de maior procurarem o leito. Todos retiraram-se a seus barcos para descansarem, porque segue outro dia de grande atividade veleira e estomacal pois esperamos o churrasco do animador Carlos Zeller. Durante a noite naturalmente muita coisa aconteceu. Um novo tripulante chega a bordo para conosco pousar e acompanhar a viagem. Foi ele por toda a nossa tripulação muito bem recebido, sendo este tripulante o estimado conhecedor da matéria Sr. Manoel Baltazar, mais tarde o Espanhol.

Naturalmente não devemos esquecer que durante este período todo o WC era visitado com bastante freqüência por toda a tripulação. La pela 13h30min do dia 13 (domingo), o ilustríssimo grandioso Faxineiro titio e mais alguma coisa, acha melhor dormir no convés por achar-se com muito calor no interior do barco. Isto é que não foi o pior. Devido ao sereno se fazia sentir naquela madrugada ele arma novamente a barraca com pouco respeito àqueles que estavam descansando. Durante a mesma madrugada somos interrompidos no sono por batidas que o barco dava no fundo. Não reagindo é claro que a água baixando de manhã o barco estaria encalhado como de fato o estava.

Dia 13

De manhã cedo, agradável vento norte variando a noroeste de acordo com a sua vontade. Todos os tripulantes estavam bem dispostos a enfrentar o churrasco e o pão líquido que nos esperava no fim da manhã. Içamos os panos de nosso veleiro e procuramos depois de ter feito o desencalhe do barco e algumas bordejadas no estuário do Guaíba, o ancoradouro do Espírito Santo. Foi durante estas bordejadas que principiei esta pequena recordação deste passeio. Depois de lançados os ferros no Espírito Santo, junto com o Miraguaia, o toldo foi arado pela terceira vez. Sobre a festa do nosso amigo Zeller não muito posso contar neste relatório por somente passar um período muito restrito do domingo e sua vivenda de verso. Umas coisas podem afirmar que todos os presentes naquela ocasião encheram-se de carne o pão líquido, tanto é que depois só se ouviam as seguintes sugestões: Bom demais, bebi demais. Ignorava ainda a vinda dos “chiches” (uma espécie de churrasco árabe), etc. Outra coisa que devo confessar é que esta festa deixou uma ótima impressão no coração de todos os nossos tripulantes porque de fato foi uma festa de confraternização de veleiro para veleiro.

A nossa despedida foi grandiosa e simbólica quando os presentes souberam de nossa viagem. O nosso animador, Sr. Zeller, ainda fez questão de entregar-nos um rancho de carne que foi bastante útil para nós, pois ainda no dia seguinte saboreávamos o seu gostoso assado de grelha. Na partida do Espírito Santo, reabastecida a nave com gelo e carne restante do churrasco. A ventania era manga de colete, a brisa com muita dificuldade fazia-se sentir, e sobre a calmaria não havia mais discussão, mas com tudo isto, afastamos de nosso ponto de partida, porque linha não havia, pois não era regata. Após termos deixado a Ponta Grossa a bombordo tivemos um intercâmbio político, militar, social, comercial, industrial, moral e cultural com a tripulação da nave Miraguaya que se fez encostar-se a nós. Registra-se novamente calmaria completa. Passaram-se algumas horas nesta agonia quando no horizonte surge uma faixa escura, que chama atenção de alguns membros da tripulação. As discussões manifestam-se: “é vento”, “não é vento”, “não, é brisa”. O primeiro palpite é que deu dentro, como se diz em linguagem de sarjeta. Queiram desculpar o termo usado as não há outro.

Como as rajadas que então apareceram os dois barcos separaram-se e cada um deles tratou de ir para adiante. O Miraguaya tomou o bordo para terra enquanto nós tomávamos o rumo aberto. Mais ou menos às 10h chegamos ao fim da primeira etapa da viajada depois de termos lutado durante a noite para não desviarmos de canal.

Estava então terminada a primeira etapa, Itapuã, dentro do prazo prestabelecido. Quem sabe se terminaremos as outras etapas dentro do prazo regulamentar? É de registrar uma grande vitória do Miraguaya, pois levou-nos no pacote por chegar bastante antes do Orion a Itapuã, mas as barbaridades da nave Miraguaya, ótima companheira, seguiram, como os próximos fatos o demonstraram.

OrionIeUmuarama-RioGrande-1945

Após a chegada houve ainda uma reunião dos diversos primeiros e segundos comandantes para tratarem sobre a hora da partida do dia seguinte. Ficou combinado sairmos às primeiras horas da madrugada, se o tempo que estava ameaçando o permitisse. A esta hora, mais ou menos às 4h da manhã do dia 14 de fevereiro de 1944, a calmaria realmente fazia se mostrar e o paredão escuro no céu cobrindo a lua apresentava-se. Nestas circunstancias a turma gelou e preferiu partir quando clareasse o dia.

A hora chegou e levantamos os panos e os ferros. Passamos o conhecido farol sob abanos e comprimentos do faroleiro. A tripulação estava alegre por entrar na Lagoa dos Patos e atravessá-la de ponta a ponta. Reinava nesta ocasião um fraco vento forte que mais tarde tornou-se fresco, o qual foi bem aproveitado pelos nossos barcos. Como de costume o norte abranda, desta vez também amainou. Sr. Rodolfo, como habitualmente nestas ocasiões, encontra o seu barco ao nosso. O banzeiro reinante faz com que os navios começam o mexe-mexe que não acaba parecido com a ação do tripulante Chumbinho,em Curitiba, que com tanta vontade também não acabou.

Passa-se uma, duas e quase três horas nesta agonia harmoniosa de lero-lero até que o tempo se resolva e bate então um sul variando a sudoeste fresco, em resumo tínhamos que bordejar no duro e sem choramingar. O ar da lagoa apresenta-se e mostra a sua força para reprovar ou aprovar aqueles que com ele brincam com calmaria. Um tripulante coloca os olhos na fisionomia do outro para daí tirar uma outra conclusão. Aí que a porca torce o rabo. Dos tripulantes do Miraguaya, ate então nada sabemos. Mas o fato é que o Miraguaya dançava a conga e o samba melhor que a Carmem Miranda. Coitada perdeu toda a cotação perante o mercado comercial depois da dança do Miraguaya.

A maior parte de nossa tripulação estava bem disposta. Estava no leme o Sr. Baltazar, mais tarde o Comandante Egon e depois eu tomei conta do mesmo. Quando eu estava no leme, um dos nossos tripulantes desaparece na cabine e repentinamente passam por mim umas gaivotas amarelas (papel higiênico). O tal de tripulante apresenta-se novamente fora e faz um gesto com o seu braço e sua mão, começando do estômago e terminando a altura do estomago e diz: uma vez já foi.

Enquanto isto o vento amaina e o tempo firma-se, não se definindo bem de que lado poderia vir. Há uma calmaria quase que completa. Estávamos com a proa dirigida para oeste. Continuamos com esta direção, pois nesta direção deveríamos encontrar a costa para um eventual abrigo, porque só o leste estava limpo.

Sem demora avistamos o Capão da Lancha, quando o Miraguaya aproxima-se de nós para saber nossa opinião: se vamos ou não procurar abrigo naquele capão, marcado nos mapas. Estava o comandante do Miraguaya um pouco gelado, notava-se pelos seus olhos que eram verdadeiras laranjas. A sua opinião é que devemos ligar o seu motor para quanto antes chegar à costa, porque quase todo o seu estava coberto e já era hora de escurecer. A lua também saira bastante tarde. O tempo ameaçara do norte, sul e oeste.

Chegados ao Capão da Lancha, os dois barcos lançaram ferros. Fizemos uma janta que se reunia num chá com sanduíche, porque já durante a viajada durante a tarde fizemos o nosso lanche. Caiu nesta ocasião um temporalzinho oeste cuja a primeira rajada foi assustadora mas foi só. Continuou então só um vento oeste regular durante mais ou menos duas horas. O que notamos naquela costa é que toda ela é funda, pois ancoramos bem próxima da mesma. Partindo da praia, a profundidade aumenta rapidamente alcançando a profundidade media de 6 a 7m. O Sr. Baltazar ficou de vigia no nosso barco para as eventuais mudanças de vento, porque para o vento leste não estávamos bem situados.

Ainda durante o mesmo dia, a corrente de ar mudara e quando Manoel notou que estava norte querendo variar para o leste, alarmou toda tripulação do Orion e do Miraguaya para aproveitarmos estas rajadas e seguirmos viagem para o sul, 23 graus a sudoeste que nos era favorável na direção do farol de Cristóvão Pereira. Este norte também durou suas duas horas durante o qual o Comandante Egon e depois o Sr. Baltazar tomaram conta do leme. Às 4h da madrugada me acordo com fome e sede. Faço uns sanduíches que ofereço também ao timoneiro Baltazar, aceitando um só pedacinho. Estava ele naquela ocasião um pouco abatido porque o nosso barco andava muito lentamente. O Chumbinho, naquele momento no leme do Miraguaya timoneando, brincava com o Baltazar, volteava o nosso barco da direita.  Entre tanto o vento já mudara para o sul e estávamos em franco bordejo.

“Como tivemos que cruzar que barbaridade!”, exclama o espanhol. Não sei já notaram que o ilustríssimo Sr. Faxineiro, titio Carlos Profé, desaparece da cena pois não andava muito bem de saúde. Neste instante surge outra figura relevante do barco que é o Sr. Melchers, segundo Faxineiro oficial, ou seja, de segunda classe, mas muito bom também. Tanto é que foi promovido ao de primeira mais tarde. Faz o seu serviço com toda brevidade e exatidão e tudo isto com muito gosto e vontade, parece ate ser a sua profissão. Casado ele não é, mas, contudo na pensão ele que mora fazem uso desta sua aptidão.

Os bordejos com o sul prolongaram-se ate as 10h da manhã. Durante estes bordejos o espanhol chuleava o aparecimento do farolete de Tapes que depois de avistado não queria mais desaparecer por estar o vento bastante fraco, quase nada. Que agonia.

Às 10h do mesmo dia o vento parou de fato e com um pouco combustível que tínhamos viramos o motor durante uma boa parte do tempo. Avistou-se depois do farol de São Simão quase que em seguida o farol de Cristovão Pereira. Após este farol começamos a navegar em direção oeste quarta sul com um vento sudoeste. Sem demora o vento girou para o sul favorecendo mais um pouco, de modo que facilmente podíamos alcançar o farolete do banco de D. Maria. Passamos pelo mesmo na hora em que o sol se escondera no horizonte oeste quarta sul com um vento sudoeste. O vento naquela ocasião continuava com a mesma intensidade e direção. Navegamos muito bem. Ainda antes do escurecimento completo, avistamos a bombordo o farol de Capão da Marca que na noite desapareceu, provavelmente por estar fora de funcionamento.

Navegamos com o mesmo vento algumas horas noite adentro e como do farol e dos faroletes nas proximidades do Bujuru nada podíamos ver, estávamos sem referência exata, resolvemos procurar a margem leste que não podia estar muito distante. Só como é uma costa baixa e o céu estava coberto nada podíamos ver da mesma. Agimos desta maneira porque a tribulação dos dois barcos estava também muito cansada. Por meio da sondagem, que mostra não só a profundidade como também a dureza do solo, podíamos ter uma idéia se a terra estava próxima ou ainda distante. A certa altura resolvemos baixar os ferros junto com o Miraguaya. Ficamos assim obrigados de qualquer eventualidade de noite, pois estávamos forçosamente dentro da bala do Bujuru. O quadrante sul estava bastante escuro durante a noite, ameaçando qualquer coisa. As tripulações todas deitaram para descansar porque a calmaria do meio dia estava forte.

Um dos nossos tripulantes ficou acordado para chulear o tempo presente e futuro dentro das regras. O vigia naquela noite passava uma hora atento sobre o barco, atirando o olhar para o céu, para verificar como estava a atmosfera. Assim ficaram três dos nossos tripulantes revezando de hora em hora até de madrugada, quando se notou que estávamos bem perto da costa. Durante a noite caíra um forte vento norte que não animara nenhum dos barcos a saírem por estar o céu bastante nublado e nós com uma referência muito relativa sobre nossa posição e rumo que iríamos tomar.

Duas badaladas duplas marca o sino de bordo, logo seis horas. Toda a tripulação levanta, sai dos beliches e começa a agir. Faz-se chamada especial a nave Miraguaya, marcando para já a saída em direção ao Farol do Bujuru que então estava à vista. O café da manhã fez-se durante a navegação para não perdermos o nosso precioso tempo. Além do café muito mal acabado, pois foi eu quem fiz, o Comandante Egon ainda cozinha uns ovos que reforçaram o café. Um leve vento oeste, ótimo para seguirmos a direção do farolete do Bujuru. Pouco a pouco o vento se acalma, a atmosfera está coberta e formam-se nos altos os rabos de galo (nuvens alongadas) indicando forte vento. O nosso amigo que gostava de andar nas nossas proximidades, afasta-se algo mais de nós, tanto que sua vela podia se confundir com a costa da Baía Bujuru. Nós estávamos bem, mas a coisa era com eles.

Algum dos presentes estando na cabine, olha o barômetro pisca com os olhos e que os seus ponteiros encontram-se afastados um do outro, olha com mais precisão e nota que o barômetro, pressão atmosférica, caira rapidamente uns quatro milímetros. Esta marcando 761 mm e estava a 765,5mm normalmente com bom tempo. Tudo indica um rebojo bem reforçado. Ate um ceboleiro vimos procurar ficar perto da costa, o que por nós não foi notado. Sem demora a água, mais sal, mais clareza, belíssima esverdeada, escurece um pouco no horizonte do quadrante sul.

O vento muda para sul, ainda era brisa. Esta se torna vento, o vento ventania e a ventania temporal. Com este tentamos navegar com o pano eriçado e o barco aguentou muito bem, mas como tínhamos que bordejar muito para nós não seria vantagem bordejar um dia inteiro para aproveitá-lo pouco no nosso percurso. De modo que resolvemos voltar à baia do Bujuru.

Para alcançá-la tivemos que cassar bem os panos e assim mesmo ainda dar uns bordos curtos. Esta viajada foi bastante dura de roer. Miraguaya quase que no mesmo momento de nós resolvemos dar a volta ele também procura o abrigo e o alcança antes porque estava com mais altura que nós, tínhamos de respeitar o canal. O mastro do nosso barco nesta ultima viajada com o temporal estava muito firme tanto foi feita com o espanhol no leme e que não queria deixá-lo nem a pau. Antes de encontrarmos o abrigo já ali encontrava-se o ceboleiro ancorado, o qual anteriormente vinha procurando a costa, pois já sabia o que esperava depois da esquina.

Estávamos assim e três barcos atrás do farol esperando que o rebojo acalmasse. As tripulações tanto do nosso barco como do Miraguaya mostravam fisionomias cansadas, mas, contudo satisfeitas por podermos almoçar, dormir e jantar descansadamente. Parte da tripulação do ceboleiro foi em terra caçar, passear, investigar, etc. De modo que nós naquela ocasião não podíamos nos comunicar com eles.

Como de costume o cozinheiro de bordo é o comandante Egon. Ele nos apresenta um verdadeiro almoço constituído de diversos pratos. Em primeiro plano colocam na mesa uns ovos mexidos com linguiça regada à cerveja. Ótimo prato que serviu de aperitivo. Como prato do dia vem a mesa um corn-bife frito na frigideira com a massa do amigo Peres Cardoso e massa de tomate da Swift, fabricado na Argentina. Posso afirmar que a turma encheu-se. Os que almoçaram no Miraguaya, não sei. De sobremesa foi nos servida uma finíssima goiabada da marca Peixe. Depois de todos fumarem um cigarro quase todos procuraram os beliches para tirarem a sua cesta.

A atração dos beliches para cada elemento da tripulação era muito acentuada. Até o espanhol, que faz questão de ficar de pé, também tratou de deitar-se. O único que ficou no posto de observação foi o ilustríssimo Sr. Faxineiro Mor de bordo, titio Carlinhos Profé, que tratou de ler um pouco. Não posso afirmar que espécie de livro era se de amor, navegação ou só para homens, não sei por que fui um dos elementos que tratou de dormir naquela hora da tarde.

Numa visita de cortesia a nossa nave, o comandante do Miraguaya coloca-me um salame nas mãos e grita nos meus ouvidos para acordar-me de um sono tão bom. “Que negócio é este, ainda estas com fome?” Acreditem como fiquei, quase que faço este comandante de água doce tomar um banho de água salgada. Mas como sua personalidade deve ser respeitada, interrompi esta minha ação.

O comandante Egon já se encontrava diante do fogão para preparar a janta. Aí vem outra coisa boa, um pires de ervilhas. O Sr. Moeller comunica naquela hora que rasgou a vela no baixá-la e o Manuel, o espanhol, ficou encarregado de costurá-la. O coitado do esforçado ficou trabalhando ate a hora da janta.

O comandante do Miraguaya, Sr. Moeller, foi convidado para acompanhar-nos na janta e experimentar a ervilha preparada pelo nosso comandante, mas rejeitou-a dizendo que também tinha uma ervilha sendo preparada pelo Chumbinho, pois o seu cozinheiro encontrava-se no nosso barco. Todos jantaram com vontade e logo após, a maioria de nossos homens procuraram o leito. Quando tínhamos jantado o espanhol continuava seu serviço, costurar a vela do amigo. O comandante do Miraguaya volta a inspecionar o serviço e informa-nos que jantou muito mal. A sua ervilhada estava ainda crua quando a comeu depois de ter cozinhado cinco horas.

Não sei o que Chumbinho fez durante este tempo no barco. O meu palpite é que o Chumbinho diminuiu a chama do fogareiro para não queimar a preciosa ervilhada e deitou-se para dormir em vez de cuidar da mesma. No Órion estávamos, um trabalhando, o outro de ajudante, e o terceiro de fiscal, que era o Sr. Comandante Moeller. Assim com agulha vai, agulha vem de costurar a vela do amigo ficamos acordados até a entrada do dia seguinte. Até que todos se deitaram, já passava da meia hora de quinta-feira, dia 17. Antes disso o barômetro já subira e o vento também já não era constantemente forte, apresentava somente rajadas de forte pressão. Durante a noite o espanhol, de vez em vez, dava uma espiada para fora para ver se haveria uma novidade.

Pela manhã todos se levantaram para prosseguir viagem. Os tripulantes, assim como os comandantes, estavam muito alegres e bem dispostos o que sobressaía em oposição ao dia anterior. Um e outro já falam do café que deve seguir, mas aos quais nem se deu ouvido.

Por meio de gritos nos informamos do vento que vai haver durante o dia com os tripulantes do ceboleiro, que ainda estava ao nosso lado.  É nos dito que a direção sul vai permanecer com uma intensidade mais reduzida. Com este aviso levantamos os panos e os ferros, começando logo a navegar com um ameno vento sul. As nossas manobras foram acompanhadas pelo Miraguaya. O ceboleiro também começou a movimentar-se no mesmo momento, só que em direção contrária.

Depois de termos contornado o farolete vermelho indicando o prolongamento do banco Bujuru, tomamos direção sul 60º a oeste. Ainda durante um bom espaço de tempo acompanhávamos a costa nesta direção, mas depois desapareceu.

Quando então precisamos de verdade a bússola, ela embaciou por dentro do vidro superior o que requeria bastante esforço por parte do timoneiro. Isto se deu porque refrescara bastante durante esta manha. Sem grandes incômodos retiramos o vidro e o limpamos. Colocamos o mesmo em seu lugar com seus respectivos parafusos. Pouco tempo depois estava ela novamente embaçada. Sabendo disto o entendido da matéria comandante Egon acha que devemos retirar o vidro inferior. Mas um outro elemento que se achava com mais razão no caso deu a idéia de retirarmos o vidro superior para que o mesmo não mais incomode o timoneiro. Sob seu comando retiramos o vidro superior da bússola. Manoel, o espanhol, neste instante toma conta do leme e com toda a naturalidade afirma: “O vento está mudando, vejam as velas estão batendo”. Ouve-se um palpite: “É preciso habituar-se a bússola no primeiro momento de tomar o leme”.

O espanhol, como tem alguma pratica de navegar com a bússola, incomodou-se com o tal palpite. Quando subo da cabine para ver sobre que versam estes palpites, olho para a bússola e admirado noto que ela gira com uma velocidade de um motor elétrico, como se fosse um disco de vitrola. Desta maneira o espanhol podia até louco ficar para acostumar-se com o instrumento. A razão disto tudo era a corrente de ar que batia no instrumento destampado.

Depois destes acontecimentos aproxima-se a hora do meio dia. Egon prepara desta vez com o barco bastante inclinado uma sopa de ervilhas, também muito gostosa. A velocidade do barco, neste momento, até dá gosto de navegar. O céu apresenta algumas nuvens interrompendo de vez em vez os raios solares. O barômetro indica uma ótima pressão atmosférica para nós (768,5mm). A temperatura é amena, apesar do vento que está soprando.

As coisas já começam a estalar. Tudo que não está em seu respectivo lugar dá um sinal ou por um estalo, ou por uma queda. Um trinco mal cerrado pode dar grandes prejuízos. O Miraguaya começa a arriar pano, porque o barco deita muito perdendo altura. Não estamos andando com bolina cochada porque não temos bolina, mas falta pouco. O Faxineiro já se encarregou das panelas e tudo esta pronto para enfrentar a tarde. O Miraguaya acompanha-nos quase na mesa marcha. Quando a distância entre os barcos ficava muito grande o primeiro esperava pelo outro retardando a velocidade. Pelos cálculos feitos que parece que vamos dar um pouco a esquerda do canal da feitoria.

Pela frente a boreste avista-se uma fumaça, isto indica que estamos ao menos perto do canal. Notamos que esta fumaça é de um navio. Deixamos estes dois veículos na boreste. O comandante Egon trepa nas estais e comunica que avistou dois faroletes pela frente, pouco a boreste. Derrubamos algo em direção aos faroletes medindo sempre a profundidade. O dia melhora consideravelmente, mas o vento continua forte. A nossa velocidade é considerável. Pouco antes de estarmos no verdadeiro canal da Feitoria, tocamos numa empopada formidável. Não entramos no primeiro par de bóias e sim antes do terceiro par. Marcara o relógio de bordo exatamente 14h50min quando entramos no canal.

A entrada no canal da Feitoria foi festejada com uma cerveja e o comandante Egon no mesmo instante toma uma cafiaspirina com um resto de soda para cortar a raiz de sua dor de cabeça, que reiniciou recentemente, pois não evacuava a três dias. No canal tivemos que buscar bastante altura para não cair no baixio a boreste. Alguns minutos mais tarde entra também o Miraguaya no canal. Se a bordo daquele barco foi também festejada a entrada na Feitoria, não sei. A velocidade dos dois barcos continua a mesma. Nesta viajada o comandante Egon canta-nos uma passagem quando certa ocasião, não registrada neste relatório, viajava no Miraguaya ainda dentro da lagoa, diz ele: “O comandante do Miraguaya, Sr. Moeller, tem um mapa muito bom a bordo. Ele de vez em quando abria o mapa, observava e fechava-o novamente dizendo: Isto não tem interesse para mim, os tripulantes do Orion que fazem os seus cálculos e nos vamos atrás. Com isto ele queria dizer que são os burros que puxam a carroça. Eu só queria ver se esses burros não existissem, se então eles encontrassem o canal da Feitoria tão próximo como nos encontramos”.

Os tripulantes do Miraguaya reclamaram que os nossos cálculos, sem régua, sem transferidor, sem compasso, somente com mapa e bússola estavam inexatos. Tudo isto deixa um homem como espanhol que como já disse entende um pouco de navegação magoado. Além destas criticas sem cabimento por camaradas que não fizeram um cálculo sequer, ainda tanto interesse na bússola tiveram que a perderam. Isto são coisas que doem no coração de um veleiro. Tudo isto não é nada, coisas piores seguirão. Depois de passarmos algumas bóias cegas e faroletes do canal, encontramos uma draga a boreste fora de ação no momento em que passávamos e um ceboleiro a bombordo este último também a toda a velocidade.

Logo após passamos a ilha Holandesa, que ficou a bombordo. Esta ilha apresenta alguma vegetação quase que rasteira e deveras habilitações de pescadores. O canal aquela altura distinguisse bem pela coloração da água que é bem clara e escura sobre os baixios, margeando o canal. As coroas estão repletas de estacas onde os pescadores daquela zona prendem suas redes. Estivemos muito satisfeitos quando podemos alcançar o farolete que marca o banco da barra do São Gonçalo na entrada para Pelotas sem fazer um bordejo. Quando metemos o bico da proa no São Gonçalo, o sol desapareceu e por ali esperamos que o Miraguaya se aproximasse mais de nós. Dentro do canal do São Gonçalo o vento era quase de popa.

Antes de entrarmos no canal já víamos os mais altos edifícios de Pelotas. Chegamos a Pelotas às 10h da noite. Atracamos os barcos no trapiche do Anglo Mexican e no trampolim do Clube Natação Regatas Pelotense. Quando mudamos de roupa, tratamos de jantar na cidade, pois estávamos famintos. A tripulação do Miraguaya ainda jantou a bordo naquela noite.

No clube tinha uma luz interior acessa, batemos e alma nenhuma apresentou-se. O bonde do porto escapou-nos pelo nariz de modo que até que outro surgisse resolvemos caminhar a procura do centro.

Antes de chegarmos à praça principal, vimos a sombra de uma aglomeração de pessoas. Que será? Comício? Pode ser. E nós todos de casaco de couro, outros de boné, podia se dar algo não muito agradável conosco. Quando estávamos bem no meio da negrada uma banda de música entoa a Marcha da Sicília. Foi um alivio para nos quando soubemos que era farra de carnaval.

Procuramos em seguida o restaurante Vitória, onde naquela noite fomos bem servidos. Após a janta, procuramos o café onde relatamos a primeira notícia mais completa sobre a viajada. Passamos ainda pelo telégrafo dando cada um notícia a sua família e seus amigos.

Regressamos ao nosso barco quando era mais ou menos 2h da madrugada. Na manhã seguinte fizemos o nosso café e tratamos de encontrar alguém do clube. Sem demora apresenta-se o zelador e um instrutor de natação que logo mostrou grande interesse em visitar os dois barcos. Tenho maior convicção de que os barcos lhe agradaram, porque naquele clube vi alguns veleiros que podem ser muito bem comparados aos nossos quinze metros. Havia entre eles alguns barcos que serviram para contrabandear sedas do Uruguai. O úmero dos barcos não passava de meia dúzia, e todos mal cuidados.

Ainda nesta manhã fizemos uma faxina a bordo, bem acentuada. Os vidros, que dantes estavam borrados de água salgada, apresentavam agora a sua transparência bem nítida, sobre o convés não havia mais sujeira, e os metais brilhavam nos lindos raios solares.

Alguns tripulantes saíram a passear e tratarem de seus negócios mais urgentes. Diversos ficaram a bordo esperando visita, mas ninguém apareceu. Nem sequer umas boas garotas, pois já estávamos quase uma semana sem ver umas. O Chumbinho, um dos loucos passeadores e aproveitadores, quando chegou a hora de pentear-se, notou que o seu cabelo estava com água salgada, bastante indecente para dar um jeito. Agarrou a manteiga de bordo e sapecou no cabelo. Depois de algumas combinações, marcou-se a saída de Pelotas, um grande centro, para depois do meio dia e para irmos almoçar no centro no mesmo restaurante onde estivemos na noite anterior e fomos bem servidos. Às onze horas todos já tinham abandonado nosso barco para fazermos o nosso lanche.

Passeando pelo centro da cidade e admirando suas belezas bastante escassas, passamos pela agência da Varig e alguém se lembrou do amigo veleiro aviador Goetz Herzfeld, que por sorte encontrava-se nela. Fizemos uma apresentação de todos os tripulantes a ele e pedimos para transmitir notícias nossas ao seu irmão, que por sua vez trazia aos veleiros.

Depois disso, nos dirigimos ao restaurante Vitória, onde com exceção de alguns, todos pediram linguado frito. Para o Espanhol, veio o linguado bem branquinho no interior e macio. Para os outros a forma da fritada era a mesa, mas ao cortarmos o peixe, ele estava duro e a sua seção estava escura e não branca como deveria ser. Era um bife camuflado em linguado. Com isto, eu afirmei àquele garçom que os porto-alegrenses podem ser tapeados, mas não em Pelotas. O garçom teimando comigo que o peixe estava assim escuro porque era frito. Também afirmei que uma coisa desta não pode acontecer em Pelotas, porto-alegrenses serem tratados com tal desprezo. Basta uma afirmativa, que ficou desta vez confirmada: o pelotense é de Pelotas, mas não rio-grandense.

Não demora muito que o Chumbinho, no seu prato entre a salada de agrião, encontra um bicho cabeludo. Com isto perde toda a fome que era possuidor dantes. Chateado, não quer comer. O escândalo na nossa mesa de oito pessoas era grande.

Quando voltamos ao clube, Chumbinho encontra ainda encontra no bonde uma alinhada loira que dá bola para ele, mas acha que não deve encostar porque o tempo disponível era pouco e não valia à pena perder tempo. Quando chegamos de volta para já sairmos foi nos apresentando o presidente, o vice-presidente do Clube Regatas Natação Pelotense, que naquela ocasião encontrava-se na sede. Neste instante, todas as encomendas para o reabastecimento dos barcos pedidos por intermédio do clube nos foram oferecidas pelos amigos e colegas de Pelotas.

Esta atenção dispensada pela diretoria daquele clube deve ser lembrada se antes nossos colegas apresentarem-se em nossa capital e nos visitarem. Foi um gesto que, fora de brincadeira, deixou-nos uma ótima impressão a respeito dos dirigentes da sociedade.

Estando tudo preparado, partirmos sob uma verdadeira festa de despedida, tanto que era o barulho provocado por buzinas, sinos, vozes e apitos. Pouco a pouco, saindo do abrigo, o vento contra no São Gonçalo aumenta e nós vimos obrigados a ancorar, porque o motor não dava conta dos dois barcos.

Ali passamos grande parte da tarde, jogando, lendo e dormindo até o crepúsculo, quando o vento amainara um pouco. Fizemos nova tentativa que deu em bola. Miraguaya puxara-nos até a volta do canal onde podíamos levantar as velas. Içamos os panos e começamos a bordejar. O interessante disto tudo era o barco Miraguaya que, com os panos em baixo, vinha nos acompanhando nos bordejos. Quando chegava a hora de virar de bordo, estava o Miraguaya sempre na nossa frente e estorvando a nossa manobra.

Posso afirmar que uma vez um bordejo nosso nada rendeu, sendo que o Miraguaya o acompanhou ainda com as velas em baixo. Em resumo, fazia bordejos a motor piores que os nossos a vela.

Afirmo que é a primeira vez que vejo um barco bordejar a motor. Mas bordejar à noite no canal com poucas bóias luminosas não é brinquedo, de modo que resolvemos parar já estando perto da barra do São Gonçalo. O vento também já refrescará e lançamos ferro numa das margens do rio. Desta vez nos honrou o cozinheiro do Miraguaya que nos fez uma visita cortesia.

Na manhã seguinte, com um vento mais ameno rumamos à barra do São Gonçalo. Na saída deste estreito, a força das ondas mostra-se fazendo o barco jogar nas vagas. Do Miraguaya nem se fala. Dança novamente uma mistura de samba e swing. A direção do canal naquela altura varia, dirige-se mais ao sul de modo que o vento entra mais de popa. Pelo escovem entra cada jarro de água que dá gosto de ver. Sair pelo convés a fora. Com o vento favorável, deixamos bóias e mais bóias do canal para trás e às 8m50min avistamos Rio Grande. O Miraguaya ficou algo para trás, pois vinha com os panos errizados e mesmo assim punha muita água sobre o convés.

Um navio que entrou depois de nós perto da barra, no canal, não nos buscou até São José do Norte, onde deixamos bater os panos para que o Miraguaya entrasse conosco no cais do porto. Vagarosamente contornamos uma ilha para tomar o rumo do cais quando na bóia da Swift entramos no bordejo.

Aquela hora que foi amarga, pois o vento era contra e a correnteza também. No primeiro bordo mal e mal conseguimos de 50m. De minuto, o Espanhol, que então estava no leme grita: “Vamos virar? Vamos!”

Cada um de nossos tripulantes tinha o seu posto assim distribuído: comandante Egon na proa, auxiliando com a bujarona a virada de bordo; nos brandais estão o ilustríssimo Faxineiro número um de bordo e o comissário, pegando no pesado; na escota estava o Faxineiro numero dois.

Dos diversos navios achando-se no cais, os marujos, comissários, comandantes, estivadores e passageiros nos apreciavam com os olhos arregalados, porque de fato o canal é estreito para a correnteza fazer os bordejos com um barco como o Orion. Na altura da metade do Cais Novo encontram-se chatas ancoradas, rebocadores em movimento retirando do porto.

Entre aquele movimento todo, avistamos um barco de vela pequeno com cabine, dotado de um motor em funcionamento, dando seguimento ao mesmo. Dirigia-se ao Miraguaya que vinha na nossa frente para iniciar-lhe o canal, pois já supunha que os barcos tivessem muito calado.

Repentinamente ouvimos uns gritos de um senhor que estava de branco sobre uma lancha denominada São José do Norte dando-nos instruções sobre a profundidade e sobre os bordejos que deveríamos fazer. O Espanhol diz que este senhor é Mr. Wigg, cônsul inglês em Rio Grande. Só sei depois de bordejarmos duas horas consecutivas no Porto Novo. Reaparece esta lancha com o Miraguaya de reboque e também nos oferece um reboque que rejeitamos, pois estávamos quase no fim da jornada e os bordejos agora tinham terminado.

Mais ou menos ao meio dia, lançamos ferros defronte o Iate-Club Rio Grande, que mostrara algum movimento. A lancha São José do Norte, com Mr. Wigg, nos acompanhou certo trajeto. O nosso amigo veleiro, Dr. Altmayer, esperava-nos já num pequeno Dingue para subir a bordo. As suas primeiras palavras foram logo sobre um convite de comer na Gruta Baiana, o melhor dos melhores restaurantes do Rio Grande, que foi por nós todos aceito.

Informou-os também que Mr. Wigg é o atual comodoro do Yacht-Club Rio Grande. No barco, nós nos enfeitamos de modo que a gente se reconhecia novamente e fomos por terra. Houve ainda algumas apresentações de pessoas de destaque do clube e em seguida rumamos ao restaurante. Felizes ficaram os cozinheiros e faxineiros naquela hora.

Na altura da praça central encontramos Mr. Wigg que a nós foi apresentado e sem muita conversa dirigiu-nos ao restaurante, pois era a causa que interessava a todos porque os estômagos estavam roncando.

Ali chegados todos pediram um prato que tivesse camarões. O prato que diversos pediram como estando no menu, com arroz com camarões ,não era isto e sim camarões com arroz. No fim do primeiro prato todos pedem peixe que também foi muito bem servido.

Depois de tudo isto já ingerido Mr. Wigg faz questão de oferecer mais, mas que com o nosso maior esforço não podíamos aceitar porque estávamos satisfeitos. Só ate aqui já estávamos muito contentes, pois tal recepção não esperávamos dos nossos colegas do sul, dos quais tão pouco aqui se fala.

Não é que existe animação lá para o esporte a vela, é a dificuldade que eles têm para fazer-se representar em nossas regatas. Assim como vamos poucas vezes ao Rio Grande eles também têm poucas oportunidades de nos visitarem. Não é má vontade, e sim dificuldades que se apresentam.

À tarde, com o auxílio de alguns elementos da sociedade, fomos procurar alguns fornecedores de diversas mercadorias para o reabastecimento dos barcos.

De volta para o clube tomamos todos, um banho de água doce para preparar-nos a enfrentar o carnaval que nesta cidade é muito divertido. À noite, fomos acompanhados na janta pelo Mr. Green. Após termos jantado novamente uns camarões, o Espanhol e eu fizemos uma visita à casa do Dr. Altmayer que anteriormente nos convidara para um drinque. Ficamos de encontrar os outros no café Danila.

OrionI-PontaGrossa-19430

Durante a visita discutimos sobre diversos assuntos, mas principalmente sobre o assunto da vela no Rio Grande. Encontramos os amigos mais tarde na rua, pois tínhamos nos atrasado um pouco durante a animada conversa. A turma inventa de dar voltas à procura de algo. Fomos parar numa das “pensões familiares” que também em Rio Grande existem, pois a turma lá também se defende.

Ás 3h de domingo deixamos esta pensão para voltarmos à Gruta Baiana e aí comermos um saboroso bife com batatas que sentou bem no estomago de todos os presentes porque a cerveja estava pesando na cabeça. Finalmente às 5hs da madrugada encontramos os nossos beliches flutuantes. O cansaço tomava conta do corpo de cada um naquela hora de domingo.

Neste mesmo dia o sócio do Rio Grande Iate Club, sabendo que estavam naquela cidade dois barcos de Porto Alegre, fizera sentir os seus interesses pelos mesmos porquanto fomos visitados nos barcos por inúmeros amantes de tão belo esporte. Muitos tinham o desejo de dar uma volta no nosso barco, mas que não pode ser efetuado devido ao vento desfavorável que reinava.

Os palpites dos visitantes eram os mais diversos sobre os barcos. Achávamos nós mesmos muitos aplicações, praticas de diversos materiais que ainda desconheciam. Todos os visitantes fora por nós muito bem recebidos e foi lhes oferecido cerveja gelada de Porto Alegre e ainda uns bretzel, também daqui.

Pela hora do meio dia todos se retiraram e fomos novamente à Gruta Baiana comer uns camarões frescos. À tarde ficou combinado um passeio com algumas famílias no barco pelo porto, que não foi efetuado pois ameaçara um rebojo muito forte. O céu ficou para o quadrante sul tão escuro que parecia até a fumaça de um deposito de petróleo incendiando nas proximidades. Sem demora surge a primeira rajada assustadora e principia a chover.

Nisto aparece num rema-rema com o Dr. Hugo a bordo. Nos convidou para um chope acompanhado de sanduíche que o Rio Grande Iate Club oferece aos seus visitantes de Porto Alegre. Na ocasião do oferecimento do pão líquido, foram trocadas muitas idéias sobre o esporte a vela.

Enquanto a tarde continuava feia, passamos assim diversas horas agradáveis com nossos colegas do sul do estado. Ao anoitecer, nos recolhemos para nosso barco e tratamos da janta. À bordo, discutimos sobre a partida da cidade do Rio Grande. Os nossos companheiros do Miraguaya jantaram fora. A nossa saída ficou combinada para as 8h da manhã.

Ainda à noite saímos para procurarmos produtos comestíveis e não comestíveis de utilidade para a viagem, fazendo ainda uma visita de despedida a família do Dr. Hugo Altmayer, que tanto despendeu por nós. Durante este passeio pela cidade, ainda assistimos o carnaval que nem comparado pode ser com o de nossa capital, onde nada existe fora dos salões carnavalescos. Existem em Rio Grande blocos e mais blocos, um mais divertido que o outro.

Na manhã seguinte depois de tudo preparado se içou os ferros e partimos conforme a hora combinada do Porto do Rio Grande Iate Club, acompanhados de dois barcos à vela deste clube. Durante a passagem pelo Porto Novo, Mr. Wigg, de terra, fazia-nos adeus e desejava um bom regresso. De fato nesta ocasião o vento era favorável à volta.

Vários marujos dos navios no cais indagavam nosso rumo e destino. As 10h passamos pela maior organização industrial do Rio Grande, que é a S. Swift, conhecida tanto no nosso país, como no exterior. Depois de contornado o aeroporto deixamos a bombordo a cidade do Rio Grande, principal porto de nosso estado e a boreste São José do Norte, conhecido como sendo muito antigo, que se mostrara por sua igreja secular.

Nesta altura os dois barcos a vela despediram-se de nós, sendo um de Dr. Hugo Altmayer por ele timoneado. Até a entrada de São Gonçalo era uma empopada formidável. Mais tarde, orçamos para acompanhar o canal de Feitoria. Certa ocasião, dentro das balisas do canal, encosta o fundo do barco no solo, mas que mal podíamos notar. Foi uma só batida e quando medimos a profundidade o mais rápido possível já tinha 7 metros. Isto indica que o canal é ladeado por enormes barrancos.

A largura do canal da Feitoria é verdadeiramente muito estreita, mas muito bem demarcado. Pelas 3h da tarde deixamos este célebre canal onde os encalhes são tão comuns. Ceboleiros e iates de carga não faltavam em nossa companhia, que desta maneira nos indicava o rumo. Antes do completo escurecimento da noite ainda avistamos o farol do Bujuru, que se acha atualmente em ruínas. Depois de termos encontrado o farolete vermelho que indica a extremidade do banco, esperamos algum tempo pelo barco Miraguaya, pois tinha ficado bastante para trás. Durante este período aproximou-se de nós o navio Rio Grande, que faz o trajeto de Porto Alegre a Jaguarão e vice-versa. Esta embarcação serviu-nos durante a noite de orientação. Quando nosso companheiro, Sr. Moeller, encontrava-se nas nossas proximidades, interrogamos o que pretendia fazer. Respondeu-nos que queria tocar sempre. “Esta bem, vamos embora”, respondeu nosso comandante Egon.