Diário de Bordo: Sufoco na Lagoa, por Luiz Pureur

A convite do comandante Paulo Silveira do Veleiro Riacho Doce, um bem equipado Delta 36, fizemos a última parte da viagem Porto Alegre – Fernando de Noronha – Porto Alegre, iniciada em maio de 2010.

Esta etapa começou em Jurerê – SC na segunda-feira, dia 11 de abril de 2011. Preparamos o barco na sub-sede do Veleiros da Ilha e, bem cedinho, partimos para o Sul na companhia de um outro belo veleiro argentino de 38 pés chamado Durney, do comandante Daniel.

Às 6h30min já estávamos no través da Ilha do Francês. Decidimos contornar a ilha de Florianópolis pelo Norte, já que o Veleiro Durney com seus 17,50 m de mastro teria dificuldade de passar por baixo da ponte Colombo Salles. Quando chegamos em mar aberto foi possível velejar, porém o vento não ajudava muito.

Enfim, durante todo o percurso, foi uma alternância de ventos médios e fracos. Quando a velocidade do barco baixava de 5 nós, calçávamos o motor para não atrasar muito nossa chegada em Rio Grande e o tempo virar. Assim fomos levando, com direito a manter a cozinha aberta para almoço e janta e o piloto automático timoneando dia e noite.

Apesar do veleiro argentino ser mais veloz do que o Delta, andamos quase no visual o tempo todo, graças às cracas que se alojaram em seu casco e sempre mantínhamos contato pelo rádio. Quando estávamos na altura da Lagoa do Peixe aproximadamente 70 milhas da barra de Rio Grande o comandante Daniel do veleiro Durney nos solicitou pelo rádio a possibilidade de fornecermos combustível (as cracas o traíram). Combinamos então de nos encontrar no través do farol Capão da Marca, já que eles estavam bem junto à costa e nós mais abertos (25 milhas).

Ficamos bem entusiasmados em poder ajudar o Durney, já que quebraria nossa rotina de come, dorme, curtir aquela Lua maravilhosa e jogar conversa fora. Lá pelas 17h30min de quarta-feira os veleiros se encontraram e repassamos pela nossa popa 40 litros de diesel através de um cabo.

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Nossa idéia era entrar em Rio Grande assim que clareasse o dia mas o comandante Daniel, que tinha telefone via satélite, nos disse que recebeu previsão meteorológica mais atualizada de Buenos Aires, informando que a frente poderia se adiantar e que entraria na Barra naquela noite mesmo. Como o barco estava andando bem, resolvemos também seguir o mesmo caminho. Valeu a pena, a noite estava linda, vento ajudando legal, lua quase cheia que se pôs atrás do molhe sul no momento que entrávamos na barra. Às 2h13min de quinta-feira entramos na barra de Rio Grande, baixamos os panos, o vento ficou contra e motoramos até às “cocheiras”, junto ao terminal de pesca e fundeamos após 72 de navegação. Tomamos umas cachaças para comemorar e fomos dormir de verdade.

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Lá pelas 9h30min tomamos café e seguimos para o Rio Grande Yacht Clube onde já tínhamos nossa vaga providenciada pelo amigaço Guto, que sempre nos é tão prestativo. Nessa noite (quinta-feira) fomos jantar em São José do Norte no restaurante Brisa Mar (dica do nosso Cmt) com a tripulação do Durney. Na sexta-feira pela manhã a previsão de vento SE forte se confirmou, resolvemos partir para a Lagoa prevendo uma navegada bem rápida, e assim foi!

Lá pelas 12h30min já estávamos no través do Porto Velho, trajeto com visual sempre muito bonito, muitos pesqueiros com seus tripulantes na faina. Depois de vencer o Canal Miguel da Cunha, abrimos 3/4 da genoa que já era suficiente para o Riacho Doce fazer seus 6,5 a 7,0 nós e não atrapalhar a visão do famigerado Canal da Feitoria e suas milhares de estacas cravadas nas suas margens.

Pelas 17h30min estávamos quase no final do canal perto da Ilha Marechal Teodoro, encontramos dois grandes navios dentro do canal. O maior de nome Santa Phoenix estava encalhado e o outro, um vermelho (certamente para o Pólo) estava com âncora dentro do canal, talvez para frear e não bater no outro navio. Neste trecho o canal faz uma curva que deixou o vento,que já era leste, bem contra, e como era forte, jogou o navio para o barranco.

Já estávamos com o motor, e nas proximidades do navio Santa Phoenix tivemos dificuldade de vencer a correnteza seguida de muitas ondas desencontradas, devido ao estreitamento da passagem d´água com aquele casco enorme bloqueando a metade ou mais do canal, tivemos que respeitar o canal para não encalharmos também. Não fazíamos mais de 2 nós naquela situação.

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Vencido então o Canal da Feitoria, a noite chegou e pudemos novamente velejar aproveitando aquele ventão. Durante a noite cruzamos os faroletes: Vitoriano, Dona Maria, Desertores e no clarear do dia o Arquiteto. A esta altura o barco fazia 8 nós, somente com a genoa, já com ondas altas e tentando atravessar. Reduzimos então, pela metade, a genoa. Mesmo assim o Riacho Doce fazia de 6 a 7 nós e, após mais uma hora, com o vento aumentado, reduzimos mais ainda a vela. Chegou a um ponto em que o piloto automático não deu mais conta, pegamos o timão e “segue o baile”. Com o crescimento do vento e das ondas, para proteção do equipamento, reduzimos a genoa para não mais do que 4 m². Mesmo assim o veleiro seguia a mais de 5 nós.

Nesta altura as ondas já estavam assustadoras, ou embarcavam no cockpit por barlavento pela quebra da onda ou por sotavento, pela inclinação do barco. Quando nos demos conta a Lagoa estava um caos, ondas enormes e um vento assustador. A chuva ou os borrifos das ondas pareciam nos apedrejar!

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Então recolhemos aquele “trapo” de vela porque quando entrava a rajada do vento o barco estremecia todo e tentava atravessar. Foi acionado o motor e acertamos uma rotação que permitisse o controle (ou quase) do barco, já que no momento estávamos entre o Farol de Itapuã e o saco de Tapes e não queríamos perder altura a sotavento. Foi aí que o bimine rasgou suas duas primeiras partes. Cortamos as tiras e o amarramos para não voar o resto.

Havia momentos em que o leme do barco parecia trancado de tão pesado, e momentos em que estava tão leve que parecia tê-lo perdido. O gerador eólico ficou travado, seu freio atua com ventos muito fortes. O hélice, por vários momentos “cavitava”. Para ler a bússola, era preciso passar os dedos constantemente como um limpador de parabrisa.

Nosso “Wind” ( marcador da velocidade e direção do vento) quebrou antes da viagem, não podemos saber exatamente sua velocidade naqueles momentos, mas com certeza se aproximou dos 50 nós, quem sabe um pouco mais.

É seguro dizer que foi nosso “record" de vento. Aquele quadro que visualizávamos, só conhecíamos através de filmes e vídeos de storm no youtube!  Por sorte não ocorreram descargas elétricas...

Naquele caos, sobe, desce, estoura onda, gritei para o Paulo: “Já estou vendo os morros de Itapuã!” Depois, analisei melhor, e corrigi: “ Não são morros nada, são ondas enormes que desenham o horizonte...” Noutro momento gritei: “Paulo, perdi o rumo.” Não sei como ele conseguiu permanecer dentro do barco, olhar o plotter e me orientar para acertar o rumo.

Com toda aquela água o GPS, junto à bitácula, estava inoperante. Naquela confusão o Cmt Paulo murmurou, ele sempre é muito calmo, pensei que esta onda iria passar por cima do Barco de tão grande.

É muito difícil medir ondas, mas com certeza as maiores tinham acima de 3 metros, porém muito curtas, o que resultava em uma elevação muito acentuada, quando estourava a crista o ruído era muito forte, era um turbilhão.

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Enfim, passado o pior momento, embora com ondas ainda altas, mas mais regulares, restabelecemos a normalidade a bordo, abrimos a genoa e seguimos a 7 nós rumo ao Farol de Itapuã. Batemos algumas fotos para baixar a adrenalina e recolocamos o Riacho Doce no piloto automático.

Tivemos o mesmo pensamento e exclamamos: “Ufa, dessa escapamos legal!” Na chegada ao Veleiros do Sul, sábado à tarde, às 17h17min, completamos mais 28 horas de navegação e soubemos que os ventos chegaram a 90 km/h ou 48,6 nós, comprovando nosso sufoco!


Veleiro Riacho Doce

 

Delta 36

Paulo Silveira

Luiz Pureur

18 / 04 / 2011