Costa brasileira não foi boa experiência para família holandesa

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Por Ane Meira

Na manhã de quarta-feira os veículos de imprensa noticiaram em larga escala o caso do abandono de três crianças estrangeiras em um veleiro, que estaria à deriva no Rio de Janeiro. O telejornal matutino mais importante do país deu destaque à história com um certo toque de dramaticidade, despertando tristeza e indignação.

O relato contava que um casal de holandeses teria deixado os seus três filhos presos no veleiro. Ao ouvir o choro deles, um grupo de pescadores acionou os bombeiros, que prontamente vieram em socorro aos pequenos. Os pais estariam em outra embarcação, com amigos.

Essa mesma família esteve aqui em Porto Alegre. Veio ao VDS para fazer a troca do mastro da embarcação em que viajava o mundo. Eles chegaram ao Estado após terem sofrido um acidente em alto-mar, a 14km da costa brasileira. O veleiro, de 57 pés, colidiu com um barco pesqueiro e sofreu danos no casco, além de ter o mastro quebrado com a força do impacto. Conseguiram socorro com o Museu Oceanográfico, em Rio Grande, onde souberam que poderiam fazer o reparo do mastro em Porto Alegre.


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Eles não tinham a intenção de parar no sul do Brasil, conforme o quimíco Hendrickus Hobbelen, 44 anos. O acidente alterou os planos e a família, que viaja pelo mundo há três anos, precisou atracar no país. Hobbelen é casado com a fisioterapeuta Ivete, 41 anos, com quem tem as crianças Timmi, quatro anos, Lente, dois anos e Windir, sete meses. Ivete, inclusive, ainda trabalha na Holanda e precisa voltar ao país com certa frequencia. Nesses momentos, Hobbelen é quem assume as crianças. Aqui, ele se mostrou sempre atento aos três e pude constatar que ele cerca os pequenos de cuidado e carinhos.

Na conversa em que tive com Hobbelen, ele se mostrou muito à vontade com a segurança das crianças no Clube, que circulavam livres, mas sempre próximas do pai. As crianças eram muito dóceis. O mais velho, Timmi, enquanto eu entrevistava o pai, brincava e conversava comigo, alheio ao fato de eu não entender uma vírgula em alemão.

Hobbelen contou que após viajar de moto pelo continente africano, provou que o mundo era muito grande e queria conhecer muito mais dele. Anos depois, aprendeu a navegar, comprou um veleiro e com a família saiu para aprender sobre outras culturas. "É uma boa forma de conhecer o mundo, apesar de não ficarmos muito tempo em um só lugar", comentou o holandês enquanto comia sorvete com os filhos. Ele espera viajar por mais dez anos, enquanto as crianças são pequenas.

"O futuro muda toda hora, nem sempre dá para planejar as coisas, você só vai vivendo. Se você fica esperando que os acidentes aconteçam, nunca  vai deixar a marina", filosofou Hobbelen. O holandês demonstrou que queria passar aos filhos o seu modo de ver o mundo, obviamente diferente da postura previdente e metódica que aprendera em sua terra.

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Possivelmente essa postura não foi bem interpretada pelos personagens que acabaram por envolver a família na grande confusão desta terça, quando as crianças foram tiradas do veleiro fundeado na enseada do Iate Clube do Rio de Janeiro pelos bombeiros e o casal sentenciado pela imprensa com a acusação de abandono de incapaz por terem se ausentado e deixado os filhos dormindo no barco. Em nenhum dos telejornais que contou o embróglio foi possível ouvir a versão dos Hobbelen, só o vozerio de quem participou da ocorrência.

No mesmo dia em que conversei com o holandês no VDS, funcionários da Receita Federal vieram ao Clube vistoriar o barco, pois conforme eles, as autoridades em Rio Grande não teriam solicitado documentação suficiente para a legalização da entrada do veleiro no país. Tive que servir de intérprete para os agentes que, embora trabalhem com estrangeiros não são capacitados para atendê-los devidamente. Era um mal entendido causado por autoridades mal preparadas para receber visitantes. Não deixei de lembrar do ocorrido assim que vi o caso estampando portais e jornais nacionais.

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Não é que eu esteja defendendo o casal ou os isentando do fato, estou apenas lembrando que uma confusão cultural pode ter tomado proporções maiores. De qualquer forma uma coisa é possível assegurar. A aventura pela costa brasileira infelizmente não trouxe muita sorte para a família holandesa.